Nos últimos meses, o paulistano Cristiano Teixeira, diretor-presidente da gigante do setor de papel e celulose Klabin, tem vivido uma série de emoções conflitantes nos momentos em que analisa a empresa que comanda e o país em que vive.
Na frente dos negócios, dificilmente as coisas poderiam estar melhores agora. A pandemia, em que pese os danos sociais e econômicos que trouxe para o mundo, acabou por incentivar os setores em que a empresa atua. “Do nosso negócio, 70% é de embalagens para alimentos, que as pessoas estão consumindo mais por estarem em casa e pedindo delivery”, diz.
O efeito colateral da quarentena colaborou para o lucro da Klabin no quarto trimestre de 2020 mais que dobrar em relação ao mesmo período de 2019 – e bater os 1,3 bilhão de reais. Nos próximos meses, a expectativa é de que o preço da celulose, produto carro-chefe da empresa, siga em alta nos mercados internacionais.
Em função da demanda bombando, a planta mais recente da empresa, chamada Puma II, inaugurada no ano passado ao custo de 9 bilhões de reais, vai operar ininterruptamente por 12 meses pela primeira vez neste ano.
O otimismo com os negócios é o oposto da visão de Teixeira com os rumos do Brasil. Nascido na Freguesia do Ó, bairro humilde da capital paulistana, Teixeira deu seus primeiros passos na carreira como office boy e foi aproveitando as oportunidades abertas num país que, aqui e ali, colheu avanços nos últimos 30 anos – a começar pela estabilização da moeda, nos anos 90, e pelas políticas de inclusão social na década seguinte.
Olhando para frente, Teixeira não vê as mesmas oportunidades. “Vimos 40 milhões de pessoas entrarem na economia, na década passada. Na pandemia, debatemos o quanto o auxílio, que chega a 70 milhões de pessoas. É tudo na base do consumo. O que não se vê são mudanças estruturantes”, diz. Teixeira acredita que o Brasil enfrenta uma crise de gestão: falta coordenação para resolver desafios urgentes, como o enfrentamento da pandemia, e para colocar o país no rumo do desenvolvimento sustentável.
Tudo bem dentro da empresa
As sensações vividas por Teixeira estão sendo bem comuns entre executivos brasileiros neste início de 2021. Após um ano de pandemia, as empresas aprenderam a viver as diferentes etapas da crise sanitária - com momentos de quase normalidade e outros com regras rígidas de mobilidade.
Ao longo desse tempo, elas se ajustaram a um país de economia claudicante e criaram novas estratégias para continuar operando e acessando seus clientes. Por isso, a despeito do momento mais crítico da pandemia, muitos empresários e executivos têm uma perspectiva otimista para o próprio negócio em 2021.
Uma pesquisa da consultoria de gestão Betania Tanure Associados (BTA), com 428 empresários num universo entre as 500 maiores companhias do país, e publicada com exclusividade por EXAME, mostra que eles estão mais confiantes em relação ao desempenho das próprias companhias na pandemia do que com o cenário econômico e político. As respostas coletadas indicam que 56% dos entrevistados estão otimistas quanto aos resultados de sua empresa. Apenas 14% se dizem pessimistas e 30% afirmam não estar nem otimistas e nem pessimistas.
Números semelhantes foram obtidos sobre o desempenho do setor em que essas companhias atuam. “Boa parte das empresas sabe que tem potencial para fazer muito mais, mas dadas as circunstâncias da pandemia, a percepção é diferente agora”, diz Betania Tanure. “Se você não quebrou na crise, consegue manter seu negócio operando, sua força de trabalho está adaptada ao home office, terá uma avaliação mais otimista desse momento.”
Já a leitura desse seleto grupo ouvido pela consultoria BTA em relação ao país é bem mais negativa: 82% estão pessimistas em relação ao cenário político e 58%, em relação à economia. O nível de desemprego alto, a educação e a desigualdade social, que foram amplamente afetados na pandemia, também são objeto do pessimismo dos empresários. “O pessimismo com o país versus o otimismo em relação à própria empresa é fruto do atual contexto do país”, diz Tanure.
O problema é que o agravamento da pandemia está afetando também setores que estavam indo bem nos últimos meses. A construção civil deve ser um dos setores prejudicados pelo encarecimento do crédito com o aumento da taxa de juros. O Banco Central interrompeu um ciclo de seis anos de juros em queda e aumentou a Selic de 2% para 2,75% ao ano. E a autoridade monetária já sinalizou que vem outra alta para 3,5% em maio.
Vacinação lenta
Por trás desse pessimismo com o que vem por aí no Brasil está a profunda incerteza dos empresários com o ritmo da vacinação da população brasileira neste 2021. “Sem vacina, não dá para ter muita certeza de como as coisas estarão no fim do ano”, diz Washington Cinel, fundador da Gocil, empresa de prestação de serviços de segurança e limpeza sediada em São Paulo com mais de 23.000 funcionários.
Nesta semana, Cinel e um grupo de empresários que inclui Flávio Rocha, dono da varejista Riachuelo, além de executivos de empresas como a cervejaria Ambev, procuraram os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para pressioná-los a aprovar uma legislação autorizando empresas a comprar vacinas e fazer a vacinação por conta própria, sem depender da estrutura do Sistema Único de Saúde. “Temos capacidade de vacinar os trabalhadores e seus familiares, e assim acelerar o combate à pandemia”, diz.
A pressa de Cinel tem um motivo claro: as projeções otimistas para a Gocil, feitas no início do ano, podem ficar comprometidas num cenário em que a vacinação empaca e os estados e municípios são obrigados a estender os regimes de lockdown para combater a pandemia. Por ora, a previsão é faturar 1,5 bilhão de reais em 2021 – 25% acima do ano passado – e dobrar o volume de investimentos em relação a 2020: a meta é de 40 milhões de reais.
A escalada da pandemia, ao que tudo indica, pode atrapalhar até mesmo setores que passaram bem o primeiro ano de pandemia. “O atual momento virou um catalisador de fatores negativos, contaminando setores que estavam mais resilientes à crise”, diz Fábio Akira, economista-chefe da BlueLine Asset Management.
Falta de comando
Um dado que chamou a atenção nos últimos dias foi o Índice de Confiança do Comércio, calculado pela Fundação Getulio Vargas, que mostrou uma piora significativa. O indicador caiu 18,5 pontos em março, o que coloca as perspectivas para o comércio no pior momento da pandemia em 2020 e também no pior nível desde 2016.
“Estamos neste momento num processo recessivo. Nem terminou o primeiro trimestre de 2021, mas é bem possível que o primeiro semestre irá vivenciar uma recessão. Serão dois trimestres consecutivos de crescimento negativo em relação ao trimestre anterior”, diz o economista Cláudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B, do Rio de Janeiro. “E só vamos conseguir sair desta recessão se conseguirmos atacar a pandemia de frente, com medidas eficazes e de custo eficiente.”
O economista foi um dos cinco autores de uma carta aberta com críticas às ações do governo federal no combate à pandemia – e sugestões de ações urgentes para minimizar a perda de vidas pela covid-19. Em pouco mais de uma semana, o documento já foi chancelado por 1.500 economistas, ex-membros do alto escalão do setor público, como os ex-presidentes do Banco Central Armínio Fraga e Ilan Goldfajn, e banqueiros de peso como Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, do Itaú Unibanco.
“Estamos vendo a pandemia sendo usada politicamente pelo presidente, pelo seu entorno. Isso é inaceitável. A insatisfação da sociedade, esse quase desespero da sociedade, resulta no fato de que todos estamos sujeitos a essa roleta-russa”, diz Frischtak.
Essa percepção também foi capturada na pesquisa da consultoria BTA: 73% dos empresários ouvidos acham que não é o momento de falar da eleição presidencial de 2022. A desilusão, pelo visto, é com a capacidade do brasileiro conseguir levar adiante seu próprio potencial. “Não tem nada a ver com política (a minha frustração com o país)”, diz Teixeira, da Klabin. “Sou apartidário.”
fonte: Exame.com, escrita por Fabiane Stefano. Leo Branco e Rodrigo Caetano